Em uma notável reviravolta do acaso científico, os pesquisadores descobriram como a aspirina, um analgésico comum de venda livre, pode ajudar a retardar a propagação de certos tipos de câncer, incluindo mama, intestino e próstata.
A descoberta, publicada na revista Nature, lança luz sobre como a droga aumenta a capacidade do sistema imunológico de combater as células cancerígenas - uma descoberta que pode levar a tratamentos mais acessíveis e econômicos para pacientes em todo o mundo.
A descoberta veio inesperadamente enquanto cientistas da Universidade de Cambridge estudavam como o sistema imunológico responde ao câncer. Eles descobriram que a aspirina bloqueia uma substância química chamada tromboxano A2 (TXA2), que é produzida pelas plaquetas sanguíneas. O TXA2 enfraquece as células T do corpo, um tipo de célula imunológica crucial para atacar o câncer. Ao inibir o TXA2, a aspirina essencialmente "libera" as células T, permitindo que elas atinjam e destruam as células cancerígenas de forma mais eficaz.
"Foi um momento Eureka", disse o Dr. Jie Yang, pesquisador principal do estudo. "Nós nem estávamos olhando para a aspirina inicialmente, mas essa descoberta nos levou a um caminho completamente novo de investigação."
Uma longa história de potencial
O potencial da aspirina para combater o câncer não é totalmente novo. Estudos anteriores sugeriram seus benefícios. Uma análise de 2021 de mais de 140.000 pacientes com câncer de mama descobriu que o uso regular de aspirina estava associado a uma redução de 31% na mortalidade específica do câncer e uma diminuição de 9% no risco de recorrência ou metástase. Da mesma forma, um estudo de 2020 mostrou que a aspirina pode reduzir o risco de câncer de cólon em mais de 25%.
No entanto, até agora, o mecanismo por trás desses efeitos permanecia obscuro. A nova pesquisa não apenas explica como a aspirina funciona, mas também destaca seu potencial para prevenir a propagação do câncer - um fator crítico na redução das mortes relacionadas ao câncer. A metástase, o processo pelo qual o câncer se espalha para outras partes do corpo, é responsável por 90% das mortes por câncer.
Uma janela de oportunidade
O estudo sugere que a aspirina pode ser particularmente eficaz nos estágios iniciais do câncer, quando as células são mais vulneráveis ao ataque imunológico. "Quando o câncer se espalha pela primeira vez, há uma janela de oportunidade terapêutica única", disse o professor Rahul Roychoudhuri, principal autor do estudo. "As terapias que visam essa janela podem ter um escopo tremendo na prevenção da recorrência."
Essa descoberta pode tornar a aspirina uma ferramenta valiosa na luta contra o câncer, especialmente em ambientes com poucos recursos. "A aspirina, ou outras drogas que visam essa via, têm o potencial de serem mais baratas do que as terapias baseadas em anticorpos e, portanto, mais acessíveis globalmente", acrescentou o Dr. Yang.
Mais pesquisas são necessárias
Embora as descobertas sejam promissoras, os especialistas alertam contra a automedicação com aspirina. A droga não é isenta de riscos, incluindo o potencial de hemorragia interna e úlceras estomacais. "É importante entender quais pacientes têm maior probabilidade de se beneficiar e sempre conversar com seu médico antes de iniciar a aspirina", disse a professora Ruth Langley, que está liderando um ensaio clínico separado sobre os efeitos da aspirina no câncer.
Os próximos passos envolvem ensaios clínicos em larga escala para determinar quais tipos de câncer e populações de pacientes se beneficiariam mais da terapia com aspirina. Os pesquisadores também estão explorando o desenvolvimento de novos medicamentos que imitam os benefícios da aspirina sem seus efeitos colaterais.
Essa descoberta acidental ressalta a importância da pesquisa movida pela curiosidade e o potencial dos medicamentos do dia a dia terem aplicações que salvam vidas. Embora a aspirina não seja uma cura para tudo, sua capacidade de melhorar a luta do sistema imunológico contra o câncer oferece um vislumbre de esperança para milhões de pacientes em todo o mundo. À medida que os cientistas continuam a desvendar as complexidades do câncer e do sistema imunológico, o papel da aspirina nessa batalha pode ser um divisor de águas - uma pequena pílula de cada vez.
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